Portugal Continental tremeu: onde se localizou o epicentro, a magnitude atípica e um “despertar de consciência”

 

Portugal Continental tremeu: onde se localizou o epicentro, a magnitude atípica e um “despertar de consciência”


“Este sismo é um despertar de consciência”, afirma Mónica Amaral Ferreira, investigadora do Instituto Superior Técnico, especialista em risco sísmico. A prevenção é chave, numa equação em que não é possível prever quando acontece nem as suas consequências.





O país acordou a tremer com um sismo cujo o epicentro se localizou ao largo da costa de Sines. A magnitude foi moderada, embora não se tenham registado nem vítimas nem danos materiais. Os especialistas entrevistados pelo Expresso explicam os detalhes do maior evento sísmico em Portugal Continental desde 1969.

1.

Onde ocorreu o sismo?

O sismo teve o seu epicentro a cerca de 60 quilómetros a oeste de Sines. Ao contrário de outros sismos, ocorreu mais a norte da fronteira entre a placa tectónica euroasiática e a placa africana.

Em 1969, registou-se um sismo de 7,9 na Escala de Ritcher, contudo localizou-se numa área distinta, a cerca de 200 quilómetros do Cabo de São Vicente, em Sagres. “Apesar de ter uma magnitude muito mais elevada, teve uma profundidade também razoável, e sobretudo teve uma distância muito maior do que este sismo de Sines”, ressalva Filipe Rosas, geólogo e docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Também o terramoto de 1755 teve origem a sudeste do Cabo de São Vicente, onde se situa a fronteira entre a placa tectónica euroasiática e a placa africana.

A localização do sismo, que foi sentido em Lisboa, Alentejo, Algarve e até mesmo Espanha e Marrocos, destaca-se assim pela sua atipicidade. Também o seu epicentro mais superficial, localizado a cerca de dez quilómetros da superfície, significa que a sua intensidade foi maior, ou seja, o nível de destruição é maior devido à proximidade dos centros populacionais.

2.

A magnitude foi dentro do esperado?

Este foi o sismo com maior magnitude em 55 anos. O abalo sentido esta segunda-feira registou 5,3 na Escala de Ritcher, mas Filipe Rosas alerta que, devido à sua localização atípica, a magnitude não é tão normal quanto isso. É uma magnitude considerável “para a distância em que o sismo ocorreu e para a profundidade relativamente superficial” do epicentro, afirma o também diretor do Instituto Dom Luiz, um centro de investigação dedicado às Geociências.

3.

Houve indícios de que o sismo iria ocorrer?

Não, nem é possível prever este tipo de fenómenos com exatidão. O geólogo utiliza uma analogia para explicar melhor a impossibilidade de previsão. “Se tivermos uma folha de papel higiénico, que não tem o picotado para facilitar a rutura, e se eu tiver a folha nas mãos, mas começar a afastá-las, ou seja, se eu colocar uma força atrativa, eu não sei para onde o papel vai romper ”, descreve. Nas placas tectónicas é semelhante: é impossível antever onde vai acontecer a rutura.

“Estamos na iminência de ocorrer. Aliás, todos os dias há sismos, mas a maior parte deles não os sentimos”, acrescenta Mónica Amaral Ferreira, investigadora do Centro de Investigação, Inovação e Sustentabilidade de Engenharia Civil (CERIS), do Instituto Superior Técnico, de Lisboa.

4.

Existir um sismo como este pode ser vantajoso, devido à libertação de energia que diminui a tensão nas placas tectónicas?

Filipe Rosas admite que é uma ideia “genericamente verdadeira”, considerando que as placas terão de voltar a estar em tensão para existir libertação de energia. Contudo, a existência de outros sismos dependerá da localização de outras falhas, assim como da velocidade de deslocação das placas.

Quanto à velocidade, em princípio, não será problemático, revela o professor universitário. No sistema de Santo André, na Califórnia, as placas movem-se cinco centímetros por ano, enquanto na margem oeste ibérica movem-se cerca de quatro milímetros por ano.

O problema pode mesmo ser a localização porque “as falhas conversam entre si”, não existindo uma “única falha isolada na natureza”. “Se eu tiver uma falha que esteja a cortar outra ou que esteja ligada à outra, o facto de haver um sismo na primeira pode aumentar a probabilidade de eu ter um sismo na segunda”, explica Filipe Rosas.

5.

O país está preparado para um sismo de 5,3 de magnitude?

Num sismo de grande magnitude, apenas o Hospital da Luz conseguiria manter-se em pé e os quartéis de bombeiros iriam colapsar. Quem dá o alerta é Mónica Amaral Ferreira, investigadora na área da Engenheira Civil, especializada em risco sísmico. Isto pode acontecer, pois as normas de segurança sísmica mais recentes remontam a 2019, antes disso houve uma em 1958 e uma atualização em 1983. “A grande parte da nossa construção em Lisboa e em Portugal é bastante vulnerável aos sismos porque são construções antigas, anteriores à regulamentação de 1958 e às outras posteriores”, explica.

Além da idade dos materiais usados na construção, há a agravante de algumas obras, realizadas em casas e em edifícios, em que se retira a parede para ampliar a divisão, o que aumenta a “fragilidade do edifício porque a estrutura depois já não se comporta da mesma maneira”, em especial se não for feito o reforço necessário.

A investigadora alerta ainda que, ao longo dos anos, não houve “grandes vontades políticas dos vários governos” em criar um plano de ação que seja realmente eficaz. Há um foco muito grande na proteção civil, mas o problema é de que forma será possível os meios de socorro conseguirem atuar e deslocar se no caso de uma grande catástrofe. Se “há um sismo com maior intensidade do que este, as ruas vão ficar obstruídas porque há destroços, há escombros, mesmo que não caiam os edifícios, caem objetos que inviabilizam a passagem dos carros bombeiros, dos meios de socorro”, alerta Mónica Amaral Ferreira.

“É muito pouco implementado até ao nível dos meios de vigilância e de monitorização. Os meus colegas de engenharia civil queixam-se que são muito pouco implementados, ou que pelo menos não são quando seriam desejados”, relata Filipe Rosas. A falta de construções adequadas irá aumentar a intensidade da destruição, em especial se o epicentro for perto do continente e superficial.

Paulo Gil Martins, coordenador e docente da Licenciatura de Engenharia de Proteção Civil, considera que o maior pilar é o próprio cidadão. A preparação para um evento sísmico precisa de se basear na responsabilidade cívica, considerando que “sem o empenhamento do cidadão na segurança, o trabalho nunca será um trabalho efetivo”.

Dada a magnitude de 5,3, o docente universitário acrescenta ainda que poderá haver situações pontuais de danos em edifícios, mas “são muito baixos mesmo em edifícios degradados”.

6.

Estamos mais preparados para a resposta do que para a prevenção?

Paulo Gil Martins explica que, em caso de evento sísmico, a Proteção Civil precisa de validar junto do IPMA as informações sobre o IPMA, assim como junto dos serviços municipais. Após esta reunião, procede-se à avaliação da necessidade de emitir alertas ou ativar um plano de emergência. “Os serviços oficiais, como a Proteção Civil, têm um papel fundamental de fornecer informação à comunidade de forma preventiva”, destaca o docente.

Ao avaliar a resposta a este sismo, o especialista considera que ocorreu “dentro da normalidade”, mas admite que a coordenação entre a Proteção Civil e o IPMA deveria ter ocorrido de forma mais célere, em vez dos cerca de 40 minutos.

Relativamente à resposta, Paulo Gil Martins destaca os planos de resposta implementados desde 2009 na área metropolitana de Lisboa e concelhos limítrofes. Contudo, considera que “o comportamento das pessoas é o fator mais importante nesta equação”.

“Este sismo é um despertar de consciência”, afirma Mónica Amaral Ferreira ao alertar que o país está vulnerável a estes fenómenos. É crucial “prevenir e não apenas reagir”, para isso é preciso preparar as construções para suportar um evento sísmico de grande magnitude

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